Descrença Mata

“O Ateísmo matou milhões de pessoas.”
— Crente em seres invisíveis(Provando que não raciocina)

É muito comum religiosos afirmarem que acreditar em Deus é racional, tão racional que não acreditar em Deus, isto é, ser ateu só pode ser revolta, rebeldia. Evidentemente, a maioria dos crentes não sabe o que é Ateísmo, do contrário não pensaria sobre ele de forma tão equivocada. Esse equívoco advém de seguidores de religiões confundirem deus com Deus. Religiosos não acreditam em Deus, mas em deuses. Judeus, cristãos e muçulmanos, por exemplo, chamam Javé, Jesus e Alá de Deus. Só que chamar esses seres sobrenaturais de Deus não os faz serem Deus. Javé, Jesus e Alá não são Deus, e sim deuses, as divindades de suas religiões, da mesma maneira que Brahma, Xangô e Nhanderuvuçu não são Deus, mas divindades das religiões hindu, iorubá e tupi-guarani.
Quem acredita em deuses é teísta e acredita não pelo raciocínio, e sim pela fé. Quem acredita pelo raciocínio não é teísta, mas deísta. Deístas deduzem que o Universo foi causado por Deus, uma força sobre a qual nada se sabe, razão por que não pode ser definida. Deísmo, portanto, não é religião. No momento em que Deus é definido, isto é, a ele é dado um nome e é dito que Deus é assim e assado e quer isso e aquilo, é inventado um deus, uma divindade a quem seus inventores atribuem, entre outras coisas, seus próprios traços de caráter. Lendo, por exemplo, a Bíblia, não é preciso ser um gênio para perceber e sentir que seu deus é um claro reflexo da mentalidade dos homens que o inventaram. Aliás, inicialmente os hebreus eram politeístas como qualquer outro povo e Javé era apenas um dos muitos deuses que eles adoravam. Javé até tinha esposa: a deusa Aserá. Com o passar dos séculos, ele foi subindo na preferência e elevado a divindade principal. Só após o Exílio Babilônico e por razões políticas é que Javé foi imposto como deus único. Igualmente, os árabes cultuavam uma carrada de deuses, um deles Alá, que até tinha filhas: as deusas Alilat, Uza e Manat. Motivado pelo desejo de liderar e transformar as muitas tribos num só povo, Maomé criou o Islã e, através também de guerras, forçou a adoração monoteística de Alá.
Quando um deus é inventado, para ele é inventada uma religião, ou é inserido numa religião já existente. O problema é que religião não é bom. Além de causarem divisão, religiões ensinam coisas que devem ser aceitas sem questionamento, e isso sob ameaça de punição. Todavia, como poderia ser natural não questionar? Como poderia ser normal ser ameaçado?
Religião tampouco é inofensivo. No mundo sobrenatural, ou seja, imaginário, tudo é possível. Uma pessoa pode, por exemplo, estar convicta de que seu deus lhe deu ordens. Isso não tem como ser averiguado. Ainda que o que essa pessoa pensa que o seu deus a mandou fazer seja criminoso, ela não ousará se recusar a obedecer. Afinal, “Deus” está acima de tudo e a coisa que ele mais odeia é desobediência.
Loucura? Pois é exatamente o que, por exemplo, a Bíblia ensina: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (Atos 5:29). Todos os dias, em algum lugar do mundo crentes são presos por cometerem crimes a mando de seus deuses. Isso inclui adoradores do deus Jesus, o filho do deus Javé. Há mães cristãs que matam seus próprios filhos porque ouviram a voz de “Deus” mandando-as fazer isso. Que cristão poderia provar que elas não ouviram a voz do deus da Bíblia, se ele mandou Abraão matar seu filho Isaque e Abraão obedeceu? No Novo Testamento, o patriarca é louvado como herói da fé, por ter levado a cabo o sacrifício de seu filho sem pestanejar (não consumado apenas porque uma outra voz lhe disse que tudo não passava de um teste). Mesmo para a Idade do Bronze, não deveria ser a reação dum pai que ouve uma voz mandando-o esfaquear o próprio filho achar que está ficando louco?
Quando um cristão assassina um homossexual, um outro cristão não tem como considerar isso absurdo e repreendê-lo, dizendo que não está fazendo a vontade de “Deus”, pois todo cristão sabe que está: “Disse o Senhor: […] Se um homem se deitar com outro homem […], ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte” (Levítico 20:1,13). O cristão que não mata homossexuais por considerar isso absurdo está admitindo que seu deus deu ordens absurdas.
Embora o Deísmo não seja uma religião e, assim, seja inofensivo, não é livre de incoerência. Simplesmente, não há evidências de que Deus existe. Milhares de deuses e milhares de religiões que discordam umas das outras e até se combatem são evidência de que os próprios crentes não sabem se Deus existe. Desejar que Deus exista não faz Deus existir. Deísmo é pensamento desejoso e, portanto, desonestidade intelectual. Some-se a isso que Deus deixar sua criação ao deus-dará e Deus não existir é, na prática, a mesma coisa.
Ateísmo é resultado natural de honestidade intelectual. Em face de uma longa lista de coisas que apontam para o Universo, a Terra e a vida não terem sido projetados, afirmar que Deus existe é ser intelectualmente desonesto. Tentar explicar um mistério (a existência do Universo) com outro mistério (Deus) acresce o mistério, complica as coisas, gera incoerências e contradições e aumenta o número de perguntas, cujas “respostas” são ainda mais insatisfatórias. A crença em Deus é tão desprovida de base que se eu, obviamente mentindo, disser que o Universo foi criado por mim, ninguém será capaz de provar que não. Aliás, posso realmente ser o criador do Universo e disso não estar consciente porque sou uma cópia humana de mim que coloquei aqui sem a memória de que sou Deus. Por mais ridículo que soe, isso não é impossível!
As muitas imperfeições do Universo, da Terra e da vida, como explosões de estrelas, terremotos e crianças com câncer, fazem sentido só sem Grande Arquiteto, Relojoeiro Divino ou Designer Inteligente. Quer gostemos quer não, tudo é do jeito que é porque é assim que tudo se desenvolveu. Não há motivos para crer em Deus e há muitos motivos para não crer em Deus. Não acreditar em Deus não é, então, revolta, rebeldia, e sim a coisa mais racional do mundo.
Ateísmo tem conotação negativa só porque a maioria das pessoas ainda acredita em “Deus”. A fim de não se sentirem idiotas crendo em seres (e lugares) invisíveis, teístas precisam demonizar ateístas. Crentes afirmam que descrer induz a praticar maldades. Como, se isso é impossível? O ateu que comete uma maldade não está seguindo doutrina ateísta alguma, pois Ateísmo não tem doutrinas. Afinal, não existe uma bíblia ateísta. Ateísmo é descrença da existência de deuses. Descrença — e nada mais. Da mesma forma que descrer do Papai Noel, descrer de Deus não manda fazer coisa alguma. Ateísmo, portanto, não é religião, nem sequer filosofia. E o ateu que dá de comer a quem tem fome, dá de beber a quem tem sede, hospeda quem é forasteiro, veste quem está nu e visita quem adoece e quem está preso não está visando recompensa alguma, por exemplo vida eterna numa mansão de ouro. O ateu que faz o bem faz o bem não porque alguém o mandou fazer o bem, mas porque faz bem fazer o bem.
Quando católicos matavam protestantes e protestantes matavam católicos, tinham certeza absoluta de que faziam o bem, porquanto é ordenança do deus da Bíblia matar hereges. Existe coisa mais bizarra que um seguidor do pacifista Jesus matar um seguidor do pacifista Jesus por ser pacifista? Pois foi justamente isso o que luteranos e calvinistas fizeram: matavam os anabatistas, só porque esses protestantes, além de se rebatizarem e pregarem a separação entre Igreja e Estado, recusavam-se a pegar em armas. Quando católicos e protestantes queimavam “bruxas”, jamais lhes passava pela cabeça que estavam cometendo crimes. Muito pelo contrário: orgulhavam-se de estar fazendo a vontade de “Deus”. E quem passou séculos perseguindo e massacrando judeus? Ateus? Não. Seguidores dum livro inspirado por “Deus” e escrito por judeus. Os cristãos que condenam as matanças praticadas por muçulmanos sofrem de séria dissonância cognitiva, pois esses crentes não estão fazendo outra coisa senão obedecendo às ordens de “Deus”, quer dizer, Alá. Quem acredita em “Deus” não tem moral para condenar quem acredita em “Deus”. Os únicos que têm moral para condenar absurdos e maldades perpetrados por adoradores de deuses são aqueles que não adoram deus algum: ateus.
Adeus.

  • Religiões: Têm conteúdo, isto é, admoestações, advertências, ameaças, castigos, código de conduta, conselhos, diretrizes, dogmas, doutrinas, ensinamentos, instruções, leis, livros “sagrados”, mandamentos, normas, obrigações, preceitos, prescrições, princípios, promessas, regras, regulamentos e ditam como seus seguidores devem pensar e agir e o que devem combater.
  • Ateísmo: Não tem conteúdo. É apenas descrença (de deuses). Logo, não manda fazer coisa alguma, nem de bom nem de mau.