Leia o livro “Com Zeus Não Se Brinca”

de Paulo Bitencourt

Prefácio

Quando eu era crente, uma das coisas que mais me incomodavam, e certamente contribuiu para que eu me tornasse descrente, é a total ausência de humor no livro da capa preta. O deus da Bíblia não é apenas sem graça: é a figura mais mal-humorada de que já ouvi falar. Levar na esportiva não era seu forte. Cacilda! Usar o lança-chamas celestial para torrar os filhos de Arão só porque acenderam seus incensários com “fogo estranho”? Mandar dois ursos transformarem 42 crianças em bifes só porque elas riram da reluzente careca dum profeta? Pelas barbas dele (do profeta, não de Deus)! Impossível superar esse mau humor. Perto do deus bíblico, Hitler e Stalin eram comediantes stand-up.
Hoje, sei que esses relatos são historinhas para boi dormir, inventadas para inculcar medo nas pessoas, a fim de que não ousem refletir, muito menos se insubordinar contra os que se impõem como representantes do deus do livro da capa preta. Trágico mesmo é muitos milhões de fiéis considerarem verídica essa patente ficção e a terem como irrepreensível, o que comprova a nocividade do pensamento religioso, que faz pessoas acharem certo o que é fundamentalmente errado.
Humor é uma das coisas mais essenciais. É o que nos faz suportar uma vida que, em geral, é cheia de problemas, num mundo que, como já cantavam os Monty Python, é deprimente porque “tolos e idiotas estão com o dedo no gatilho”. Para Chico Buarque, é só com cachaça, cigarro e carinho que a gente “segura esse rojão”. Para mim, é sobretudo com humor.
Existe coisa mais absurda que insultar seres invisíveis cuja existência ninguém pode provar, figuras que evidentemente não passam de invenções de mentes primitivas? Enquanto nossas sondas espaciais vasculham os confins do Sistema Solar, em pleno século XXI pessoas ainda podem ser presas e assassinadas simplesmente por brincar com palavras como Deus, Javé, Jesus e Alá. Brinque com Osíris, Dioniso, Thor e Nhanderuvuçu e ninguém se importará, nem mesmo aqueles que matam por causa de Deus, Javé, Jesus e Alá. Desenhe um círculo, faça nele olhos e boca e escreva embaixo “Maomé” e você será esquartejado — e cristãos dirão: “Bem feito!”. Se isso não é prova de que religião é loucura, então não sei o que é.
Já reparou que é mais fácil estar para baixo que para cima? É porque para baixo todo santo ajuda. Ir à igreja ouvir quão maus, indignos e insignificantes somos e que temos de nos humilhar diante dum deus irado (que nos criou maus, indignos e insignificantes), implorando-lhe que de nós tenha misericórdia e não nos transforme em churrasco, é, então, masoquismo. Para um mundo como o nosso, o deus certo seria um descontraído, que risse de si mesmo e nos fizesse rir. Quando inventarem um deus assim, talvez eu me disponha a adorá-lo — desde que não fique me pedindo dinheiro.

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